"Militância" ou "Close errado"? A eterna linha tênue pela qual andam os escritores

Polêmicas e debates estão presentes no nosso dia a dia e nem os livros se safaram disso. Muitos livros como por exemplo “Lolita” do autor Vladimir Nabokov, por mais antigo que seja, até hoje é um dos livros mais polêmicos. Mas afinal, tem ou não tem uma validade para os livros problemáticos?

Alguns autores contemporâneos andam sofrendo críticas nas redes sociais por abordarem (ou deixarem de abordar) várias dessas temáticas importantes com pouco cuidado. Esse é o caso da Kelly Hamiso, Carina Rissi, Rô Mierling, Jéssica Macedo e várias outras.

As críticas são baseadas no direcionamento dos assuntos que abordaram direta ou indiretamente em suas narrativas. Devemos sempre lembrar que um assunto sério, abordado com responsabilidade, acaba servindo de alerta. Mas um assunto sério abordado com pouca sensibilidade e pesquisa pode gerar fortes gatilhos a quem lê.

É importante ressaltar também que não se deve julgar um autor que fala sobre submissão da mulher se ele escreveu sobre isso em 1800. E não criticar alguém que tem ignorância sobre o racismo em 2020. Aliás, quase a maioria das problemáticas ganharam maior importância recentemente, graças a luta que foi implementada.

A luta conta o abuso contra a mulher, racismo, pedofilia, homofobia, gordofobia e vários outras tem se intensificado e não podemos regredir com um desserviço promovido pela literatura e é por isso que os leitores estão cada vez mais críticos. No entanto, muitos excêntricos estão exagerando, tornando a crítica uma intolerância e um ódio gratuito.

Nesse post vou falar um pouco sobre os casos dessas autoras brasileiras que mencionei anteriormente. Sabemos que isso não é algo exclusivo do Brasil, em outros países existem autores também sendo cancelados pela postura fora dos livros, como é o caso de J.K. Rowling. Mas vamos nos limitar a apenas alguns casos nacionais.

Um dos exemplos mais recentes foi a declaração da autora Kelly Hamiso sobre seu livro Padma escrito em 2016 que ela mesma alerta sobre conter gatilhos e que ela mesma mudou de opinião e não o escreveria da mesma forma nos tempos atuais.

 


Outra problematização encontrada foi na série “Perdida” escrita pela autora Carina Rissi, a qual recebeu alguns comentários reclamando da omissão da escravidão no cenário descrito em seus livros. Perdida é um livro de romance com fantasia em que a protagonista viaja no tempo pro século 18 onde ela encontra um rapaz maravilhoso que a ajuda. Em busca de respostas do que aconteceu e de uma forma para voltar para casa, ela acaba se aproximando desse rapaz e se apaixonando por ele, a fazendo ficar em dúvida sobre voltar para casa.

Ao ter conhecimento dessas críticas, a autora fez uma declaração em suas redes sociais.

 


Ainda sobre o tema “escravidão” vamos falar agora da autora Jéssica Macedo que em 2018 anunciou o lançamento de seu novo livro na Amazon intitulado “A escrava e a fera”, o que gerou uma enxurrada de críticas. Os leitores a acusaram de romantização do racismo e do estupro, já que a história, inspirada no clássico A Bela e a Fera, leva como protagonistas uma escrava e seu dono. A autora se retratou em suas redes sociais se justificando e explicando as intenções da obra, mas os leitores não se convenceram e muitos continuaram lotando a publicação de comentários negativos. Até o Buzzfed trouxe uma matéria bem completa e ilustrada repudiando a obra. Você pode ler essa matéria no link: https://buzzfeed.com.br/post/nao-da-para-acreditar-que-exista-um-livro-como-a-escrava-e-a-fera



Falamos sobre abuso e sobre escravidão, mas agora trago a mais nova polêmica do momento: O novo livro da autora Rô Mierling. A autora de “Diário de uma escrava” anunciou em julho desse ano o lançamento de “O mal e o massacre deixaram saudades”, que conta a história das crianças que foram mortas por um adolescente de 18 anos em uma creche de Santa Catarina. De acordo com a autora, os lucros obtidos com as vendas das obras serão doados para ongs e outras instituições. No entanto, as críticas recebidas foram a respeito de retratar uma história tão sensível sem ter a aprovação dos familiares envolvidos.



E por último vou falar de um caso bem recente e que continua repercutindo porque a autora continua divulgando seu livro ignorando todas as críticas em relação ao seu conteúdo. O livro foi lançado em 2019, mas por se tratar de um grande sonho da autora, ela continua divulgando incansavelmente a sua obra. Estou falando da autora Letícia Bartulihe que escreveu o livro “Me apaixonei pelo meu sequestrador”. O próprio título já causa espanto, mas leia também a sinopse:

“Carina Jórdan a garota mais rica da elite de São Paulo, vive uma vida digna de princesa com direito a festas, carros de luxo, spa e até sua educação é diferenciada. Dona de quase a metade do mundo e cheia de amigas. Ela vive uma vida agitada na capital e mesmo parecendo ter tudo e todos em suas mãos ainda sonha em conhecer o amor da sua vida, já que a sua adolescência foi marcada por alguns desastres amorosos. Até o dia que é sequestrada e acaba arrumando um problema, já que se apaixona pelo garoto mais errado...”

As pessoas alegam que ela está romantizando a Síndrome de Estocolmo. Além do livro ter como protagonista uma adolescente de 16 anos.

O livro está sendo vendido na Amazon, Mercado Livre e Shopee. E é possível ver constantemente publicações da própria autora nas redes sociais divulgando essa sua obra. Na página de venda do livro na Amazon é possível ver muitos comentários negativos

 



Se esses livros tivessem sido escritos em uma época diferente teriam sofrido o mesmo julgamento que  tiveram? Provavelmente não. Mas explico o motivo: as pessoas estão ficando cada vez mais conscientes, mas muitas dessas pessoas confundem as coisas e acabam fazendo uma militância inapropriada. Na maioria das vezes pensando que está fazendo o correto.

Alguns escrevem com o interesse de gerar alertas, mas é importante ver a linha tênue entre o alerta e o gatilho. Entre a preocupação com o público e a irresponsabilidade com quem te lê. É claro que os assunto delicados ou pesados precisam ser tratados  com mais cautela e atenção. Com muita pesquisa, com depoimentos, quando necessário e com um olhar sensível. Se não for pra gastar horas só na preparação inicial, nem escreva.

Nem todos da lista mereciam os ataques que receberam, mas outros tantos talvez devessem ter repensado no teor de sua história. Assuntos delicados como esses mencionados precisam ser tratados com responsabilidade e é admirável a postura de autores que voltam atrás, repensam seu conteúdo e pedem desculpa. No entanto, nem todos seguiram essa postura, como puderam ler nesse texto.

Não trouxe esse post aqui para defender ou atacar nenhum autor, só quis trazer os fatos porque conhecimento é poder e quanto mais a gente conhece, mais podemos ter esse discernimento. Minha opinião é irrelevante aqui, mas trazer conscientização é meu objetivo. Como autor ou leitor. 

Se você é escritor, pode escrever qualquer coisa que desejar, certo? De certa forma está certo. Mas romantizar temas sérios e delicados é de bom tom? Não, com certeza não é de bom tom.

27 anos, jornalista e fundadora do Portal Estante da Josy

2 comentários:

  1. Adorei o post! Tema super atual! Acredito que cada caso deve ser avaliado individualmente e o bom senso deve ser utilizado. Estamos em uma era que as informações estão na palma da nossa mão, um pouquinho de pesquisa não faz mal a ninguém. Além disso, é muito importante fazer leitura sensível antes de publicar qualquer livro.

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