[Resenha] Quarto de despejo – Diário de uma favelada – Carolina Maria de Jesus


Lançamento pela editora:  2014
Páginas: 200
Editora: Ática


Faz algum tempo que tenho lido resenhas muito positivas do livro Quarto de despejo – Diário de uma favelada, da autora Carolina Maria de Jesus, e por este motivo, o livro estava na minha lista de desejos de leitura. E em tempos sombrios de que enfrentamos no momento, tive a felicidade de ler a obra.

O livro nos apresenta um diário que foi escrito na década de 1950, de uma moradora da favela do Canindé, em São Paulo. Carolina aborda em seus escritos o dia-a-dia e todas as dificuldades de uma “mãe solo” que precisa colocar comida na mesa de seus três filhos, José Carlos, João e Vera Eunice.

“...Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera começou a pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos.”

Carolina era catadora de papel e apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas, era uma mulher apaixonada por livros e pela escrita. Dentro de seus dias dolorosos e de muita fome, ela manteve a rotina de relatar em seus sujos cadernos, os acontecimentos de sua vida de julho de 1955 e do período de maio 1958 até primeiro de janeiro de 1960.

“Eu sou muito alegre. Todas manhãs eu canto. Sou como as aves, que cantam apenas ao amanhecer. De manhã eu estou sempre alegre. A primeira coisa que faço é abrir a janela e contemplar o espaço”

Em seus escritos é possível observar o cotidiano de uma moradora da favela que sai de casa todos os dias ao amanhecer para ter o que dar de comer aos seus filhos. Vivendo em um barraco, Carolina consegue nos colocar nesta dolorosa realidade e compartilhar seus sentimentos durante esse período. É um livro que foi escrito há tanto tempo atrás, mas que nos remete a realidade atual, pois sabemos que ainda hoje muitas famílias passam por essas mesmas dificuldades.

Carolina tinha enviado esses manuscritos até para editoras dos Estados Unidos, mas sempre tinha a recusa como resposta. Até que ela conheceu o jornalista Audálio Dantas que publicou trechos do diário em uma reportagem no Folha da Noite, em 1958, e na revista O Cruzeiro, em 1959, inclusive foi ele mesmo que cuidou da edição do livro.

“11 de junho – Levantei e fui carregar água. Depois fui fazer compras. Troquei os filhos, eles foram para a escola. Eu não queria sair, mas estou com pouco dinheiro. Precisei sair. Quando circulava pela ruas o povo abordava-me para dizer que havia me visto no O Cruzeiro”

Os editores do livro optaram por manter a escrita original, respeitando a grafia e ortografia escritas por Carolina, o que em minha opinião tornam ainda mais real a maneira como ela enxergava o mundo em que vivia. A leitura flui de maneira muito rápida e em muitos momentos nos proporciona um choque de realidade e nos faz enxergar nossos privilégios.

Outro ponto positivo é a edição elaborada pela editora Ática, pois a edição ficou muito bonita e apresenta algumas ilustrações muito interessantes.

É uma leitura forte de uma mulher guerreira que lutou a vida toda por seus filhos e apesar da pouca escolaridade, sempre teve na leitura e na escrita um refugio e enxergou uma forma de mostrar ao mundo como vivem os moradores da favela e tudo que eles enfrentam em sua rotina. Ela foi uma voz muito importante para que essa realidade fosse escancarada nas frases de seu livro. A obra foi publicada em 13 línguas e é muito usada para estudos sociais e culturais. Leitura fantástica!

27 anos, jornalista e fundadora do Portal Estante da Josy

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.