Minha sombria Vanessa – Kate Elizabeth Russell (com spoilers)

Ano de publicação: 2020

Editora: Intrínseca

Número de páginas: 432

 

Eu poderia começar esta resenha certamente dizendo que este foi um dos livros mais difíceis que li nos últimos tempos e não seria exagero. Pensei inúmeras vezes em largar a leitura. Porém, segui até o final, mas não poderia trazer uma resenha como sempre faço, é um tema pesado demais para algo mais superficial. Então o texto a seguir possui spoilers, logo se você não fez a leitura do livro e tem esta pretensão, melhor parar a leitura por aqui.

Vanessa Way é uma estudante do Ensino Médio que não possui muitos amigos. É quieta e até mesmo solitária. A menina possui um talento absurdo para a escrita e tem o sonho de se tornar escritora. Após brigar com sua única amiga a garota se vê ainda mais na companhia da solidão.

E então, que Vanessa começa a receber atenção especial de seu professor de inglês Jacob Strane, um homem de 42 anos de idade. Ele faz elogios inicialmente a seu texto, depois a suas roupas, seu cabelo até começar a lhe emprestar seus livros favoritos, sendo um deles, Lolita de Nobokov. A aproximação com ela acontece como um imã, ela é atraída por toda essa bajulação.

            A jovem acredita fielmente que está vivendo seu primeiro amor, e quando percebe, já está totalmente envolvida com seu professor.  Mais de uma década depois, a denúncia de uma aluna acusando Strane de abuso sexual, faz Vanessa começar a se questionar sobre o envolvimento dos dois, e a questionar que talvez ela não fosse tão especial para ele, como ele a fazia acreditar. Vanessa já é adulta, mas não consegue excluir o professor de sua vida, afinal tudo o que eles tiveram foi uma história de amor, não é mesmo?

            Não, este livro não é sobre uma história de amor, a autora deixa isso claro na contra capa da obra. É um livro sobre abuso infantil, pedofilia de uma maneira nojenta e asquerosa. É uma leitura sufocante, mas eu segui até o final, pois acredito que seja importante, desde que você não tenha gatilhos sobre a temática.

            Eu acho que devemos sim falar sobre o tema, afinal, quantas Vanessas reais não existem por aí? E o pior, assim como a personagem, acreditam estar vivendo um romance, quando na verdade são vítimas.

             É doloroso perceber como ela se recusa a acreditar no que realmente aconteceu, na cabeça da Vanessa, eles viveram algo normal, pois ele conseguia manipular muito bem a situação. Ele a escolheu a dedo, uma aluna que não tinha amigos, não chamava a atenção, vivia solitária, necessitava ser aceita, receber elogios, ser notada.

            “É estranho saber que, toda vez que eu me lembrar de mim aos quinze anos, é nisso que vou pensar”, essa frase me sensibilizou muito, afinal, ela foi abusada e apesar de não querer acreditar que foi isso, lá no fundo ela sabe que é isso que aconteceu, talvez seja apenas menos dolorido não encarar a verdade. Algo assim marca para a vida toda.

            Vanessa se torna uma mulher que faz terapia, não consegue manter relacionamentos amorosos, e isso é totalmente compreensível, após tantos traumas, tudo que foi tirado dela por ele.

            Os detalhes desses anos de abusos são relatados com uma riqueza de detalhes que enoja, revira o estomago, esses são os momentos mais difíceis da leitura. Entender como Strane tinha uma mente doentia é algo bem pesado.

            Outro ponto que deve ser ressaltado é a omissão por parte da escola, pois eles preferiram acreditar no professor e simplesmente “colocar panos quentes na situação” ao invés de resolver.

            Vanessa deixa claro em toda sua narrativa que nunca foi abuso, que ela sempre quis esse envolvimento, que era amor. Esse tipo de confusão sobre o que realmente aconteceu é algo muito comum para ela, afinal, é gritante a manipulação que ela sofreu, afinal ele a fazia acreditar que ela estava no comando, “vamos fazer isso se você quiser”, “você quem escolhe”, tudo uma grande artimanha para dar a jovem à falsa sensação de poder.

             Nunca é fácil ler sobre isso, ainda mais com tantos detalhes, ainda mais como acontece com a personagem que se recusa a entender toda a violência que sofreu. Quando outros casos surgem, ela ainda tenta acreditar que ele é inocente, que isso só aconteceu com ela, que ela é especial, que com ela era diferente.

            Mesmo em sua vida adulta, Vanessa continua em uma relação de dependência muito forte com Strane. Ela precisa desesperadamente que a maneira como ela enxerga tudo isso, seja real, ela precisa que todo o amor que ele dizia sentir por ela era sincero, ela precisa que ele seja presente em sua vida.

            Após finalizar a leitura a sensação que fica é de que essa menina sofreu inúmeras negligências, pela sua família, pela escola. É dolorido pensar que ela acredita que a culpa seja dela, como se ela tivesse permitido tais abusos, quando na verdade ela era uma menina, apenas tentando ser aceita, notada, amada.

            Não, não se trata de uma leitura agradável, a autora quis colocar o dedo na ferida do problema, muitos enxergam como uma maneira exagerada, eu entendo que a intenção foi chocar e chamar a atenção para o absurdo que é esse tipo de envolvimento, que isso pode deixar marcas para sempre, uma ferida mais do que apenas na pele, principalmente na alma.

            Minha sombria Vanessa não é uma história de amor, longe disso, é sobre uma sobrevivente de abusos, sobre negação, negligência e dor. Não é um livro que eu recomendaria, apesar de reconhecer sua importância. Gostaria que as muitas "Vanessa's" que estão passando ou já passaram por algo semelhante, saibam que elas não estão sozinhas e que a culpa nunca, nunca mesmo foi nem será delas.

Josy Souza

29 anos, jornalista e fundadora do Portal Estante da Josy